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Pressão para revogar mudanças aumenta sobre Ministério de Educação de Lula, mas titular da pasta, Camilo Santana, promete aperfeiçoar modelo criticado
Enquanto disciplinas como História, Sociologia e Educação Física perdem espaço, matérias fora do comum ou com nomes nada explicativos como “O que rola por aí”, “RPG”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” e “Arte de morar” começam a fazer parte da realidade de estudantes do ensino médio nas redes públicas do país. Mudanças curriculares incluídas na reforma que atinge os últimos três anos da educação básica — além de uma base nacional comum obrigatória, há agora os chamados itinerários formativos, voltados para áreas de conhecimento e formação técnica de interesse dos jovens — vêm incomodando alunos, pais e professores, que apontam problemas também na falta de estrutura das escolas, já que a maioria não possui laboratórios nem internet, e de preparo do corpo docente para essa revolução em sala de aula.
O resultado é uma enxurrada de mensagens nas redes do ministro da Educação, Camilo Santana, pedindo a revogação do modelo, tema de abaixo-assinado encabeçado pelo deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ). O ministro diz que essa é uma “agenda complexa de política educacional” e, diante do desafio da melhoria da qualidade do ensino médio, “respostas fáceis não cabem”:
— Falar em revogação sem aprofundar o debate sobre quais são os elementos problemáticos e as promessas não cumpridas não seria justo com os nossos jovens e não nos ajuda a avançar. Defendemos a retomada do diálogo democrático sobre o sentido do ensino médio e sobre como podemos, juntos e com a prudência necessária, entregar a melhor escola.
Camilo adianta que o MEC planeja pesquisar com a sociedade o tema, para corrigir falhas e levantar boas práticas.
— A construção dos itinerários formativos, por exemplo, é um ponto bastante desafiador. Vamos investir na qualificação desse debate e numa indução e coordenação do MEC para apoiar as redes de ensino — acrescenta o ministro.
Os itinerários formativos são quatro: Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
A reforma se transformou em lei em 2017, e 2022 foi um ano teste. Sem um norte do MEC nos últimos anos sobre a implantação (que vai até 2024), cada estado pôs em prática de uma forma. Em alguns, os itinerários já são ofertados na 1ª série. Em outros, a partir da 2ª, após os alunos cursarem Projeto de Vida. Coube ainda aos estados definir novas disciplinas com aumento de carga horária (de 2,4 mil horas para 3 mil horas nos três anos).
Professor da rede estadual da Bahia, Iago Gomes vive uma situação inusitada:
— Minha formação é Língua Portuguesa, e estou dando aula em várias disciplinas fora da minha área para completar carga horária. Uma é Arte de Morar, eletiva de geografia — conta o professor na cidade de Candeal. — As disciplinas da base nacional comum perderam carga horária. As menos espremidas foram Língua Portuguesa e Matemática. Há professores de História e Geografia que perderam metade da carga e têm que pegar disciplinas de outros campos.
Em Campinas, um dos filhos da pesquisadora Erica Mariosa, na 2ª série, teve na última semana aula de RPG, disciplina obrigatória.
— Se olharmos pela ótica da estratégia e criatividade, até faz sentido. Mas o professor não estava preparado para isso. Virou uma aula com autorização para jogar — diz ela, mãe também de uma aluna da 3ª série que já estuda no novo modelo e, temendo a falta de preparo para o Enem, faz um cursinho gratuito. — A ideia é terem aulas que ajudem a lidar com a vida. Na prática, isso não acontece.
De acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, as eletivas são aulas temáticas propostas pelos professores a partir dos Projetos de Vida dos alunos e da realidade da comunidade. Na rede, até como fazer brigadeiro é assunto em sala de aula, assim como o mundo dos pets. No estado do Rio de Janeiro, matérias como “O que rola por aí” deixam todos em dúvida. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, a ideia, nesse caso, é “explorar e interagir com as diversas formas de expressão utilizadas no universo digital”. Ainda no Rio, “De olho na rede digital!”, direcionada para a compreensão das linguagens em diferentes mídias, esbarra na ausência de computadores e internet.
— Uma das promessas para a juventude brasileira é de que ela terá liberdade de escolha com a flexibilização do currículo, suprimindo disciplinas que seriam chatas, velhas. O que vemos, no entanto, é um monte de disciplinas aleatórias com pouco conteúdo. E tem situações como a do Paraná, onde alunos estão inda para escola assistir aula pela TV — critica Fernando Cássio, pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu). — Uma outra promessa, de qualificação profissional, não envolve construção de salas de aula, laboratórios e escolas técnicas.
Presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz defende uma espécie de reforma da reforma:
— Somos oposição ao novo ensino médio, que não foi construído por quem está dentro da escola pública. Mas revogar por revogar e voltar para o que era antes não faz sentido. As escolas públicas têm que entrar no século XXI — diz a estudante, para quem o ensino médio deve incorporar tecnologias, com todas as escolas contando com equipamentos e rede wi-fi.
A favor do novo modelo, Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, pondera sobre a necessidade de o MEC tomar as rédeas da situação:
—A implementação do novo ensino médio começou na pandemia com o Ministério da Educação completamente ausente desse processo. Não houve articulação para ajudar a pensar em critérios. O que precisamos agora não é revogar, porque ninguém merece voltar a ter 4h de aulas com 13 matérias. Mas olhar para o que está dando certo e discutir como aperfeiçoar.
Líder de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa tem opinião semelhante:
— O novo modelo precisa ser aperfeiçoado. Precisamos garantir que os jovens tenham itinerários formativos que preparem de fato para o ensino superior ou mercado de trabalho e que os professores tenham as condições necessárias, com mais investimentos na infraestrutura das escolas.