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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (6), por maioria de votos, invalidar a imposição de um marco temporal para o reconhecimento de territórios de comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, na Bahia.
Essas comunidades são formadas por grupos que habitam as regiões do Cerrado e da Caatinga baianos há gerações e criam gado em áreas de uso comum, chamadas de fundos e de fechos.
O Supremo declarou inconstitucional trecho de uma lei de 2013 da Bahia que estabeleceu um prazo de cinco anos — até 2018 — para a regularização das áreas ocupadas pelas comunidades, com objetivo de assegurar aos grupos a continuidade de suas atividades nos locais.
Seis ministros seguiram o voto da relatora, a presidente da Corte, Rosa Weber. A magistrada entendeu que a definição desse limite temporal é desproporcional e restringe os direitos dessas comunidades, além de colaborar para a insegurança física de seus ocupantes.
Acompanharam a relatora os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Nunes Marques votou pela validade do prazo de cinco anos, mas propôs que ele começasse a correr após o julgamento do STF. André Mendonça, Dias Toffoli e Gilmar Mendes não votaram.
O prazo estabelecido pela lei baiana foi questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em ação movida em 2017.
As comunidades de fundo e fecho de pasto fazem parte de grupos reconhecidos pelo Estado brasileiro como Povos e Comunidades Tradicionais. A lista contempla 28 segmentos, entre indígenas, quilombolas, povos de terreiro, ciganos, caiçaras e veredeiros.
As estimativas de assessorias que atuam na área apontam para mais de 1.500 comunidades de fundo e fecho de pasto em toda Bahia. Do total, 777 possuem certificação como comunidade tradicional. Os grupos ocupam áreas devolutas do estado para o pastoreio do gado.
Para a relatora, a definição de um prazo final para a regularização dos territórios é uma “limitação constitucionalmente injustificada”, além de desproporcional e que “não sobrevive a ponderação de valores em jogo”.
Ela também disse que a falta de regularização fundiária dá mais espaço para a grilagem e a especulação imobiliária.
“O que está em jogo é a própria existência das comunidades de fundo e fecho de pasto, conforme seus usos, práticas e tradições, que se centram na íntima relação com as terras por elas ocupadas, a semelhança do que ocorre com outros povos e comunidades tradicionais”, afirmou.
As comunidades de fundo e fecho de pasto são alvos de processos de invasão e grilagem, principalmente na região oeste da Bahia. Há casos de violência e mortes de integrantes dos grupos. A expansão da fronteira agrícola também pressiona as áreas de pastoreio.
Conforme informações da regional baiana da Comissão Pastoral da Terra, dois trabalhadores rurais foram baleados no sábado (2) por um grileiro na área de fundo de pasto da comunidade tradicional de Angico dos Dias, em Campo Alegre de Lourdes (BA).
A ministra Rosa Weber apresentou em seu voto esse cenário, ressaltando que as comunidades são afetadas pelo avanço de monoculturas agrícolas, pela produção energética, principalmente com instalação de usinas eólicas, e por atividades minerárias.
Conforme a relatora, há uma “especial relação” das comunidades de fundo e fecho de pasto entre as terras coletivas e a sua reprodução física e cultural.
Ela ainda declarou que existem mais de 700 comunidades certificadas, embora nem todas tenham terras regularizadas. “O que sobressai no caso é a inviabilidade desse complexo problema fundiário ser resolvido com a fixação de prazo para requerer a concessão de uso, em detrimento da parte mais vulnerável”.
O ministro Nunes Marques divergiu, e votou reconhecendo ser possível ao estado da Bahia fixar o prazo. O magistrado entendeu que a limitação de cinco anos é razoável, mas propôs que comece a valer a partir da publicação da ata de julgamento pelo STF.
Ele citou problemas que inviabilizaram o direito das comunidades dentro do prazo inicialmente estipulado, como a Covid-19 e a situação de hipossuficiência das comunidades.
A Corte começou a analisar o caso nesta quarta-feira (6). Antes do voto da ministra, falaram partes, entidades admitidas no processo para colaborar com informações e a PGR.
Para o vice-procurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima, a fixação do limite temporal faz com que as comunidades não possam desfrutar da proteção das terras que tradicionalmente ocupam, “vulnerando, assim, elemento indispensável para a preservação de sua identidade, tradição, cultura, ancestralidade e subsistência”.
“O prazo estabelecido pelo legislador baiano revela-se inconstitucional. Atinge direito a identificação e a proteção dessas comunidades tradicionais. Comunidades de fundo e fecho de pasto são comunidades tradicionais, que vivem de pastoreio comunal em áreas rurais do sertão do estado da Bahia. Guardam com os territórios por elas ocupados verdadeira relação de ancestralidade”, declarou.
Edlange de Jesus Andrade, que falou pelo Instituto Regional Da Pequena Agropecuária Apropriada, disse que a norma “viola frontalmente o arcabouço de proteção das comunidades”, por estabelecer o limite temporal de “modo arbitrário” e “relega comunidades a invisibilidade e marginalidade”.
Para Juliana de Athayde, assessora jurídica popular da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), o marco temporal das comunidades de fundo e fecho de pasto “não é fator de pacificação social, mas violação grave ao princípio da dignidade da pessoa humana”.
Ela destacou a relação direta existente entre o aumento de desmatamento e avanço da grilagem nas terras da Bahia. “Os maiores prejudicados no contexto são as comunidades tradicionais, em meio à escalada da violência”.
Gustavo Zortéa da Silva, que falou pela Defensoria Pública da União (DPU), disse não haver “qualquer fundamento lógico” para a fixação do prazo. “[O limite atende unicamente aos anseios burocráticos da administração baiana”, afirmou.
CNN