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Por que agricultores familiares querem o fim de uma das maiores reservas ecológicas da Caatinga

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Este ano, o Refúgio de Vida Silvestre Tatu-Bola completa uma década. Maior unidade de conservação (UC) de proteção integral de Pernambuco, com 110 mil hectares de extensão, ela foi criada para proteger a fauna e a flora da Caatinga. Segue, porém, sem plano de manejo, documento essencial para compatibilizar as ações em seu interior.

O RVS Tatu-Bola abrange os municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, no sertão do São Francisco. Dentro da área do refúgio, pequenos produtores mantêm tradicionalmente criação de ovinos e caprinos e agricultura de base familiar. Uma vez definido o plano de manejo, essas atividades poderiam ser mantidas em compatibilidade com a preservação da área.

Para fazer um balanço dessa primeira década, a Mongabay visitou o refúgio e encontrou uma população que, alvo de desinformação, crê que terá suas terras expropriadas a qualquer momento.

Deusdete do Senhor do Bonfim, de 60 anos, nasceu e foi criado na comunidade de Baixa Alegre, uma das comunidades situadas dentro do RVS Tatu-Bola. Emocionado durante a entrevista, ele narra sua relação com a terra: “Foi herança do nosso avô, passou pro meu pai, criei os meus filhos e hoje já sou avô. O que nós temos é produzido aqui na terra, trabalhando de sol a sol”.

Nos seus quase 60 hectares de propriedade, Deusdete afirma que preserva cerca de 20% de Caatinga: “A gente não desmata total, deixa umbuzeiro, umburana, aroeira… esses paus grandes a gente deixa”.

O agricultor, que produz milho, feijão, mamona e outros cultivares, diz que perde noites de sono com a ideia de perder as terras. “Ainda não chegou a ordem, mas o que a gente sabe é que é pra sair sem direito a nada, sem nem poder chupar um umbu do pé de umbuzeiro”, conta.

O que diz a legislação

A lei estadual 13.787, inspirada na lei nacional 9.985, é responsável pela criação e regulamentação das UCs em Pernambuco. Segundo o dispositivo, a expropriação de terras, mesmo em uma unidade de proteção integral, só acontece se for comprovada a total incompatibilidade de atividades antrópicas (humanas). Quem pode apontar essa compatibilidade é o plano de manejo.

A advogada e auditora membro da Comissão de Proteção Animal e Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Petrolina, Shirley Lourenço, explica que a expropriação de terras não é uma consequência direta da criação de uma UC.

A jurista Shirley Lourenço observa ainda que a UC tem um objetivo de preservação ambiental, mas também tem um caráter social. “Isso não está sendo atendido. A população está desinformada, perdida, pessoas doentes. Se você criar uma unidade de conservação e não adotar política pública não adianta”, observa.

“Expropriar porque a lei define? Não é assim! Tem que ter um plano de manejo para mostrar quais atividades particulares existentes ali são compatíveis ou não com a proposta da UC.Esse plano precisa ser conhecido do produtor para que ele saiba como agir em uma unidade de conservação”, esclarece.

Segundo José Siqueira, professor da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf) e autor do estudo e do planejamento estratégico que deram origem ao RVS Tatu-Bola, as atividades tradicionais pré-existentes no território — agricultura de base familiar e criação de caprinos e ovinos — “são totalmente compatíveis com a unidade de conservação, desde que sejam adaptadas ao processo de transição agroecológica, uma necessidade que deve ser preconizada no plano de manejo da UC”.

Ele explica que as terras agricultáveis foram excluídas da delimitação. “O polígono da reserva foi definido cruzando os shapes [mapas] de solos disponíveis e de vegetação nativa, longe de comunidades e estradas. Uma estratégia não conflitiva, tudo pautado pela ciência, baseado nos princípios da Ecologia de Paisagem. Qual o sentido de vermos uma terra que o agricultor está plantando alimento, criando animal e dizer que ela agora passa a pertencer ao Tatu-Bola?”, questiona.

Siqueira afirma que realizou diversas visitas prévias às comunidades, além das audiências públicas nas Câmaras Legislativas dos três municípios envolvidos, etapas obrigatórias da criação de unidades de conservação.

“Na época, aprovamos um projeto de extensão na Univasf com recursos da ordem de R$ 750 mil para trabalhar com educação ambiental nas escolas dos municípios, especialmente aquelas localizadas na zona rural, mas houve retaliação das secretarias de educação de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista. O recurso foi praticamente devolvido ao governo”, relata o pesquisador, referindo-se ao receio das prefeituras de que a criação da reserva prejudicasse a economia local. “A população deixou de ser mobilizada para as audiências, dificultando o acesso à informação.”

O Refúgio Tatu-Bola não é um caso isolado. Das 2.945 UCs existentes no Brasil, 45,43% não possuem plano de manejo, revela o Painel de Unidades de Conservação Brasileiras do Ministério do Meio Ambiente.

No caso de uma unidade de proteção integral, avalia a advogada Shirley Lourenço, seria necessário que o plano estivesse pronto já no processo de criação da UC. “É de fundamental importância por se tratar de uma [unidade] de proteção integral que esse plano de manejo já esteja pronto no momento da formação dessa unidade”, reforça.

Leia mais em: https://brasil.mongabay.com/2024/07/por-que-agricultores-familiares-querem-o-fim-de-uma-das-maiores-reservas-ecologicas-da-caatinga/

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