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Apicultura se torna opção econômica e ambiental mais viável do que criação de cabras
“Abelha é sinônimo de ganho maior e proteção do meio ambiente”. O autor dessa definição é um rapaz de 25 anos que passa boa parte do seu tempo convivendo com vizinhos e vizinhas bem mais velhos que ele nas atividades da associação de pequenos produtores, pessoas na casa dos 70 anos que enfrentaram tanto as grandes secas da segunda metade do século passado, quanto a prosperidade trazida pelas cisternas e pelos programas governamentais a partir dos anos 2000.
Na infância, Jair Cardoso de Matos pensava que seu destino seria viver da criação de caprinos, o trabalho mais comum entre os homens de Uauá, um município baiano de pouco menos de 25 mil habitantes, a 425 quilômetros de Salvador. Na convivência com os idosos, não demorou para ele perceber que os bodes e cabras tinham se tornado um “negócio sem futuro” para os sertanejos.
A explicação para a pouca viabilidade econômica da caprinocultura está na própria caprinocultura. Jair sabe explicar melhor: “A caatinga está degradada por causa do sobrepastoreio, são tantos bodes e cabras comendo que eles tem de andar mais para encontrar o que comer, aí demoram a pegar peso. Por isso, os criadores têm de vender os bichos ainda magros, aí vendem barato”.
Essa é um dos motivos que levou o rapaz a criar abelhas. Mas não qualquer abelha.
“Ainda estou começando, mas optei pelas abelhas sem ferrão nativas da caatinga, as meloponíferas”.
Essa escolha ajuda a entender o segundo motivo de Jair para abraçar a apicultura: a luta pela preservação da caatinga, bioma que tem 13% de sua extensão ameaçado pela desertificação. Além de contribuir para reduzir o risco de extinção de espécies de abelhas ameaçadas, a presença desses insetos na caatinga multiplica a velocidade de polinização da vegetação.
“Para ganhar dinheiro com a apicultura não é preciso desmatar. Pelo contrário, quanto mais caatinga, melhor. É o contrário da pecuária”, explica Jair Matos, que pretende fazer faculdade de Agroecologia ou Educação no Campo enquanto ganha a vida com as abelhas.
As abelhas meloponíferas são aquelas que perderam o ferrão ao longo do processo evolutivo. Ao contrário das abelhas com ferrão, as melíferas, que se dividem em apenas oito espécies de um único gênero (Apis), as meloponíferas possuem dezenas de gêneros e pouco mais de 250 espécies somente no Brasil. No semiárido, as mais comuns são a mandaçaia (Melipona mandacaia), a jandaíra (Melipona subnitida), a jataí (Tetragonisca angustula) a moça-branca (Frieseomelitta doederleini) e a mosquito (Plebeia flavocincta).
Quando o apiário de Jair estiver produzindo normalmente, o que deve acontecer ainda este ano, cada enxame poderá produzir até dois litros de mel a cada florada. Parece pouco, mas cada litro de mel de jandaíra ou manassaia pode custar de R$ 120 a R$ 200, mesmo quando comprado diretamente ao produtor. No mercado, o preço é bem mais alto, podendo chegar a R$ 600.
A maior parte da produção é escoada com apoio da Coopercuc, a sigla pela qual os agricultores da região chamam a Cooperativa da Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá.
Mais experiente, o técnico agrícola Tamilo de Souza Costa, de 34 anos, vende o mel de mandassaia que produz junto com seu pai, Nestor Rodrigues Costa, de 66, no quintal do sítio da família no Frade, povoado de Curaçá, município vizinho a Uauá. Uma garrafinha de 50 ml custa R$ 10 – nessa região da Bahia, os apicultores costumam usar litro para medir volume do mel e não o quilo, medida mais comum em outras regiões do Nordeste, como se verá mais adiante nesta reportagem.
Integrante da equipe de assistência técnica do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, o IRPAA, organização não governamental criada em 1990, Tamilo acredita que a valorização se explica tanto pela raridade das abelhas sem ferrão, quanto pela imagem positiva do produto. Além de ser usado como antibiótico e antiinflamatório natural, o mel das meloponíferas ganhou fama como ingrediente da alta gastronomia internacional, principalmente depois que o midiático chef Alex Atala, proprietário do DOM, um dos restaurantes mais caros do Brasil, passou a divulgar que costuma usar em suas receitas.
As colmeias usadas pelos apicultores para abrigar os enxames das meloponíferas são bem menores das colmeias das abelhas africanizadas. Pouco maiores do que uma caixa de sapato, parecem mais uma casa de bonecas e dão ideia de como as abelhas nativas são mais simples de criar do que suas agressivas primas com ferrão. “Não precisa deixar as caixas longe, no meio da mata. A gente só fez uma coberta no quintal para proteger as colmeias, então, quando precisa ir fazer o manejo elas estão aqui pertinho, não precisa nem colocar os trajes de segurança para tirar o mel”, explica Tamilo. Seu apiário está a menos de 50 metros da casa onde vivem seus pais, Nestor e Tereza.
e vez em quando, Tamilo e seu Nestor vistoriam caixa por caixa para afugentar as abelhas africanizadas, invasoras que tentam retirar própolis alheio para revestir suas próprias colmeias.
Se criar as abelhas sem ferrão é mais fácil, deixar o mel em condições de comercialização é mais complicado. “Assim que a gente retira da colmeia, o mel da mandassaia é muito ácido. É preciso deixar ele descansando um tempo para apurar e ficar no ponto ideal”, detalha o técnico do IRPAA. Aí é que está mais um detalhe que encarece ainda mais o produto: são necessários seis meses apurando para o mel ficar pronto para o consumo. Seu Nestor explica que o transporte desse tipo de mel também requer atenção, pois, às vezes, se maturação ainda não chegou ao final, há acúmulo de gases nas garrafas, o que pode provocar derramamento.
Anselmo Ferreira de Sousa tem 29 anos, mora na comunidade tradicional de Paixão dos Bois, em Campo Alegre de Lourdes (BA), e é um dos coordenadores do grupo de agricultoras e agricultores que assinaram contrato para fornecer alimentos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No seu quintal, planta macaxeira, abóbora, limão e hortaliças, variando o tipo de cultura de acordo com a época. Mas um grande diferencial para aumentar a renda da família é o mel. Ao todo, ele tem trinta colmeias. “Em um ano bom chego a produzir mais de mil quilos de mel”.
Desde que começou a vender para o PNAE, Anselmo viu a lucratividade do seu negócio aumentar bastante. No programa, ele consegue entregar seu produto com um preço justo, compatível com o de mercado. “Esse ano a prefeitura colocou na chamada pública a proposta de compra de dois mil quilos de mel em sachê ao preço de R$ 53,56 o quilo. Só pra vocês terem uma ideia, eu tenho registros aqui de pessoas que venderam parte da sua produção para atravessadores a R$ 8,00, R$ 9,00 o quilo”, explica Francisco José da Silva, conhecido por todos com Franzé, que é assessor técnico doServiço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP).
Anselmo e os demais apicultores que entregam mel ao PNAE beneficiam o produto na Cooperativa de Apicultores de Campo Alegre de Lourdes (Coapical). Para colocar no sachê, que é uma exigência da chamada pública, eles pagam atualmente R$ 11 por quilo à cooperativa. Mesmo com o custo do beneficiamento, o agricultor consegue um preço até cinco vezes maior do que o que receberia do atravessador. Ou seja, um excelente negócio.
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Leia mais em: https://marcozero.org/gado-com-asas-abelhas-aumentam-a-renda-dos-sertanejos-e-ajudam-a-proteger-a-caatinga/
Reportagem: MARIA CAROLINA SANTOSINÁCIO FRANÇASÉRGIO MIGUEL BUARQUE
Foto – Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero